30 de novembro de 2011

Minhas Palavras

Minhas palavras são prostitutas que se vendem por pouco, muito pouco. Fazendo a graça de alguns, essas ingratas disfarçam escassa emoção. Às vezes, chorosas, comovem alguns ingênuos, mas irritam a maio-ria com seu jeito estúpido de ser. São tão falsas e vazias, embora cumpram seu papel doentio, o de entreter por um curto período para serem esquecidas logo depois. Sem valor! Minhas palavras são putas fétidas e sem brilho; não se produzem, não se arrumam, não se maquiam. Elas vão ao mundo como querem, sem cuidados no trato ou no efeito. Envergonham-me todos os dias.

Infelizmente, como cafetão, recebo por elas o valor do prazer que proporcionam. Mas por mal dispô-las à venda, o valor pago não é suficiente para nada, nem mesmo para um café e um cigarro barato, na padaria da esquina. Minhas palavras não me dão prazer, são frias como um cadáver de mulher com as pernas abertas sobre a cama, totalmente passivas, esperando, indiferentes, o término do ato. E depois, vestem-se para partir, exigindo seu pagamento parco.
Quando se vão, deitado em minha cama, só consigo pensar em que estado decadente lhes fiz o horrendo parto. Como filhas sem pai, gerei-as por orgulho e vaidade. Quis oferecer-lhes o melhor de mim, po-rém o meu melhor foi o pior que pude produzir. Agora tenho que aturá-las no mundo, dar-lhes o mínimo de afeto ou partirão de minha vida, deixando-me entregue a um sentir desesperado, no isolamento completo do abandono.

Por mais vadias que sejam, e são, fazem companhia nas noites solitárias que perco sem dormir. Mes-mo sabendo que para mim o preço é maior, farto-me com elas num incesto monstruoso, consumindo suas virtudes, tentando transformá-las no que me convêm, embora, no fim, seja eu o modificado, o rejeitado pela produção precária da lida mal realizada.

Devorando minhas putas palavras, tenho a ilusão de ser alguém por um instante. Sonho com melho-res dias e um reconhecimento tardio. Chego a acreditar que posso assumir o bordel, ampliá-lo, elitizá-lo, me-lhorar o seu produto, oferecer mais variedades, fazer brilharem os olhos dos clientes, orná-lo com belas peças de consumo. Mas acordo e percebo que manter utopias não me traz a felicidade. Sou incapaz de algo bom. A mediocridade é a minha sina.

Minhas palavras são vergonhas saindo da boca como blasfêmias, contudo ainda insisto em dizê-las; insisto em desperdiçar tempo com imundices e dejetos do meu ego ferido. Insisto porque preciso delas, mas elas não precisam de mim.
Minhas palavras são putas. E eu estou falido.

Alberto da Cruz

4 de novembro de 2011

Na rota do desenvolvimento

O Brasil está, finalmente, se tornando um país de primeiro mundo. Basta que olhemos para as notícias recentes nos jornais para constatarmos que o que acontece naqueles países tão invejados também anda ocorrendo por aqui. Infelizmente o que nos aproxima dos países desenvolvidos não são os aspectos positivos que levam nossos conterrâneos a enfrentar as dificuldades de um novo idioma, os costumes diferentes dos nossos, o clima muitas vezes imensamente frio, não. O Brasil anda copiando na escala do desenvolvimento os aspectos negativos e as graves crises que agem inversamente ao caminho dos emigrantes desesperançosos de nossa terra de ordem e progresso.
Brasileiros, voltem!

Nós temos terremotos perceptíveis agora. É verdade, recentemente houve um abalo sísmico no Atlântico, produzindo, pequeno ainda, mas no futuro a promessa é que seja maior, um tremor de cinco segundos em quatro estados, dois da região Sul e dois da Sudeste. Bem, Paraná e Santa Catarina são um caso a parte, pois são mais europeus do que brasileiros em muitos aspectos, a começar pela grande quantidade dos imigrantes e suas culturas diversas ali arraigadas; mas nas regiões do Rio de Janeiro e de São Paulo surpreendidas pelo pequeno abalo, houve até comemoração com champanhe e fogos de artifício para comemorar a nova. Rumo ao primeiro mundo, dizia um entusiasta feliz, uma pena que durou muito pouco e não deu para gravar com a minha ultramoderna filmadora digital. Fica p’ra próxima vez!

Pois bem, antes dos terremotos, já desembarcaram em nossos portos as mais modernas bugigangas vindas do Japão, Estados Unidos da América, Alemanha e outros países produtores que, como nós, também querem subir na tabela do campeonato, como a China, por exemplo. Temos em nossas casas um arsenal eletrônico tão vasto e tão sem importância em nossas vidas, que freqüentemente me pergunto por que diabos gastei uma fortuna para a montagem do meu incrível home teather, com os melhores aparelhos antes importados, agora fabricados, em maior parte, na famosa Zona Franca de Manaus. Mas não tenho certeza de que a produção é original ou se me chegou via Paraguai.

Nossa televisão agora é digital como nos países que invejamos. Melhor recepção para não fazermos nada quando estamos alienados no sofá diante de programas de entretenimento. A leitura é secundária como andam fazendo por lá, apesar de o governo investir em projetos de incentivo, nós continuamos trocando os livros por um bom programa de alienação, quer dizer, televisão.

Para os automaníacos, a certeza de que rumamos ao primeiro escalão é o investimento na indústria do setor. Temos além do fusca, esse parece que nunca sairá de nossas estradas, o Pólo, que segundo a Wolksvagen é igual em todo o mundo. Ainda não chegamos a perfeição, porque o que gastamos com impostos é ainda um assalto à mão armada feito pelo governo. Mas se todo imposto é meio abusivo, não deve ser culpa do governo.

Ainda não somos uma Holanda, mas as drogas que circulam por aqui tem um sistema de venda muito bem organizado, embora seja um negócio ainda à margem dos legalizados, mas se tem até mesmo um plano de carreira lógico que desde a infância prepara o indivíduo para chegar ao topo da profissão, certamente em pouco tempo nos equipararemos ao referido país das drogas e do sexo livre. Pois é, a grande diferença entre o Brasil e a Holanda na forma de se vender o sexo é que lá o cliente escolhe a sua mercadoria em vitrines, mulheres expostas como objetos em lojas, já aqui temos as estradas como expositores, principalmente nas proximidades às paradas de caminhoneiros, mas há também os classificados de jornal e casas especializadas para escolhermos melhor o nosso produto. E convenhamos, a mulher brasileira é muito mais interessante do que a européia.

Como nos Estados Unidos, nós também temos casos de pedofilia. Tudo bem que aqui, em geral, são casos isolados, não é como lá, em que os padres possuem um caderninho com o nome dos coroinhas e suas habilidades, digamos, pecaminosas. Nossos padres ainda estão atrasados na onda do desenvolvimento, mas se insistirmos muito, quem sabe, um dia, eles serão também manchete de jornais sensacionalistas, num escândalo típico de paróquia americana.

Casos como o assassinato da menina Isabella são comuns por outras terras. Nossos jornais já se assemelham a CNN ou BBC com sua cobertura jornalística de ponta para encobrir, além de crimes parecidos como esse, outras barbaridades cometidas por homens psicóticos, e repórteres preparados para vender uma única notícia, que embora chocante pela monstruosidade dos acusados, escondem outros problemas que deveriam também ter seu espaço ampliado nos meios de comunicação, como as CPI’s que nunca dão em nada ou os gastos inacreditáveis dos nossos governantes.

Infelizmente o Brasil ainda deve em alguns aspectos para chegar ao patamar dos países desenvolvidos. Nossas eleições não têm erros na apuração dos votos, nossos governantes são pacíficos e não promovem guerras, nosso povo é caloroso e recebe a todos de braços abertos, nossa alegria é constante e contagia como uma doença, nossas reservas naturais são lindas que o mundo inteiro as admira, nosso país é miscigenado, multi-étnicos e vivemos como iguais, nossa fé em melhores dias é inquestionável, apesar de todos os problemas que enfrentamos. Somente quando resolvermos esses problemas cruciais em nossa sociedade, nós conseguiremos nos equiparar com os grandes monstros do desenvolvimento mundial, mas até lá continuaremos, felizmente, um país de terceiro mundo, não em desenvolvimento.

Alberto da Cruz
2008