21 de setembro de 2012

Mormaço


Devagar, os olhos no espelho fitavam a imagem da tristeza, um abismo de sentimentos e de sonhos perdidos na memória. Observa-se em silêncio, procurando a sombra da alegria que um dia lhe desenhou o rosto com multicores. Só há o cinza no olhar vazio, absorvido por uma tristeza real, sem disfarce, pura em seu íntimo sôfrego. Não é mais o rosto que conhecia, e ainda pensava ter. É um estranho naquele corpo, um outro que lhe tomou o lugar. E ele o aceita, não luta para voltar a ser quem foi, a sombra o tomou, instalou-se. E ele pensou: tudo bem.

Havia graça na vida. Havia; hoje, não mais. As mãos lavam o rosto, mas não trazem quem se foi. A água passa pelas suas marcas, escorrem nas rugas e caem negras na pia, mas o rosto continua sujo, não por fora, mas internamente em sua consciência pesada. Por que se deixou morrer; pergunta-se indiferente. O espelho não responde.

O calor o enlouquece. A camisa manchada de suor lhe encharca o peito e as costas. Ouve, ao longe, o girar do velho ventilador ineficaz e enche as mãos de água; passa-as no pescoço, depois nos olhos marejados. O mormaço o deprime, força o pensamento para o passado, empurrando-o ao desespero do coração partido. Não há mais nada.



Alberto da Cruz

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