22 de setembro de 2011

O Nosso Último Capítulo

Ela e eu... Chegamos ao fim do último capítulo de nós dois e fechamos nosso livro com tristeza.

Este texto é difícil de sair. As palavras brigam comigo, não querem ser escritas. Mas têm de ser. Por mais sofrimento que me cause escrever agora, que a dor é gritante, preciso descarregar as frustrações do fim prematuro do sonho. Não consigo nem mesmo dar coerência ao que quero dizer, talvez nem mesmo queira dizer nada, somente exteriorizar a minha dor de agora.

O amor é cruel quando mal amado; é um assassino quando desrespeitado. Eu e ela não somos hoje mais nada, embora havia pouco tempo éramos tudo. Tudo, hoje não sobra a sombra do sonho. Eu aqui estou, com lágrimas seguras nos olhos e o coração dilacerado pela mágoa devastadora, esperando que o sono me leve a angústia para longe, ao menos me dê uma pausa, um momento para recompor as partes espalhadas no chão. Caído como um bêbado, que antes dava passos ébrios no ar, sou tomado por alucinações do rosto dela. E quero amá-la, mas no último instante lembro do descaso que me entregara quando só queria o deleite dos seus braços magros. Eu quero amá-la, mas é de ressentimento que meu coração se recorda quando os seus olhos faiscantes me vêm à mente.

O livro acabou sem final feliz, porque os relacionamentos de verdade não são ficção, não há idealismos nem utopias, só a realidade, e ela não é bonita para aqueles que amam sem ter o ser amado. Um abismo sem fim que nos puxa para baixo. Eu me sinto caindo, despencando como uma pedra lançada no ar. No fim, sou o vidro partido, estilhaçado, cheio de marcas que a vida impiedosa nos tinge.

Estou a um passo de me despedir da vida. Estou a um passo de pôr fim ao meu tormento. Hoje vou me deitar entorpecido, cheio de comprimidos e uma garrafinha de black label. Espero que o sono não termine, que o dia não me amanheça, que o sol não mais brilhe. Hoje dou adeus e parto à procura de Deus. Mas tenho certeza de que quem me acolherá não será a Providência, será vermelho como nas crenças. Se outra vida existir depois desta, espero que seja um lugar melhor do que este inferno de viver. Se há mesmo outra realidade, outros mundos além deste, que seja melhor, que eu tenha morada entre aqueles que, como eu, desistiram de inventar meios de fingir do que tortura a vida cheia de sonhos improváveis. Eu queria mesmo é que não houvesse nada depois de expirar, eu queria que a luz fosse a sombra negra e nada mais importasse além da surdez, da cegueira, da morte.

Meu estômago dói e minha cabeça pende para baixo como se quisesse cair do meu corpo. Eu e ela éramos um, agora ela e eu não somos nem o zero, nem o saldo negativo que nos sobra quando um segue o outro caminho.

Voltemos o livro para a estante, voltemos a vida num instante e pausemos o filme triste da nossa despedida, do meu adeus.


Alberto da Cruz

18 de setembro de 2011

Parada na Chuva

"Ela nunca falou comigo, nunca me deu um sorriso, nem mesmo me notava, nem mesmo me ignorava... eu era invisível aos seus olhos, o nada. Mas um dia, chovia. Ela sorriu, acenou-me sorridente como se eu, de repente, como num mágico instante, existisse. Acelerei o carro, tornando-a invisível, parada na chuva, encharcada e desiludida."

Alberto da Cruz

4 de setembro de 2011

Meu doce surrealismo

O que um morcego, uma pessoa inesperada, uma cerveja gelada roubada por um policial numa escola, um beijo apaixonado e imagens do passado tem em comum? Nada, mas em um sonho, tudo é possível!

Acordei num pulo, ainda com o gosto do beijo na boca — e que beijo. Uma cena comum, eu sei, mas o que importa no emaranhado de fios que formam o desejo onírico é a sensação que temos na hora intensa em que os limites do subconsciente nos abraçam na realidade. Ainda sentindo o gosto do beijo e calor do corpo beijado no meu, atrevo-me a registrar o que me fez despertar com esperanças de que minha vida não pode ser tão ruim como eu penso que é — ou faço ser.

Com os lábios próximos, ela me disse num tom apaixonado: Eu amo você. Uma frase tantas vezes ouvida ganha, a cada vez que é dita, uma magia ímpar, ainda mais na voz de quem jamais se espera ouvi-la. Ainda lembro de ser carregado por ela, que me rodopiava pelo salão — não, não era o contrário — cheio de rostos comuns, companheiros do cotidiano, que me olhavam sem nada entender, paravam para ver a cena mágica de uma explosão aflita de amor. A alegria, o ardor, a paixão consumindo o mundo num único instante. Meus dedos em seus cabelos, a maciez dos seus fios... o sonho.

Mas como entender o que não tem explicação? Por que o seio nu de uma pessoa que não se quer aparece e não brigamos? Por que não nos fartamos, apenas conversamos amigavelmente e, com o senso moral, ajeitamos a situação? Que homem nega belos alvos seios quando está só? Que homem nega uma mulher quando sente a libido o consumir, mas não nega a boca daquela que lhe rouba a paixão?

Eu perguntava em meu sonho tresloucado: Por que nunca antes te beijei, minha querida? E nunca encontrarei respostas, porque sonho é sonho, e vivemos atrelados, presos à realidade.

Pior de tudo... acordei. Mesmo impressionado, acordei. E não é possível retomar o que ficou no travesseiro. Não foi um filme interrompido por um irritante comercial. É engraçado como tentamos regressar às imagens da memória falsa, mas não conseguimos. Forçamos a mente, desejosos de estarmos no mesmo lugar, continuando o que nos foi maldosamente proibido pelo abrir dos olhos, mas nada mais acontece.

Eu agora queria voltar para aquela boca, queria estar no calor daquele abraço, queria conter o corpo daquela que buscava conforto em mim. Volta, querida, enxuga as suas lágrimas no meu ombro, entregue-se à paixão do meu desassossego!

E o morcego? Seria a minha consciência me atacando? Eu dormia, abri os olhos e o vi me espreitar, voar sobre minha cabeça num impulso ligeiro. Com as mãos eu o agarrei, segurei-o com firmeza entre os dedos, mas não o quis matar. Abri a janela e o soltei noite adentro, para que voasse em paz. Porém, por que a minha consciência, se for este o sentido do morcego, veio me visitar antes das loucuras que sucederam sua visita melancólica? Por que minutos antes do seio exposto, o policial me levou a garrafinha cheia de heineken, deixando-me o café fumegante? E as imagens do passado que me assombram? Será que era o meu momento de escolha?

Tantas perguntas me devastam, e eu só consigo pensar no gosto do beijo dado por uma pessoa inesperada...

Alberto da Cruz