21 de setembro de 2012

Mormaço


Devagar, os olhos no espelho fitavam a imagem da tristeza, um abismo de sentimentos e de sonhos perdidos na memória. Observa-se em silêncio, procurando a sombra da alegria que um dia lhe desenhou o rosto com multicores. Só há o cinza no olhar vazio, absorvido por uma tristeza real, sem disfarce, pura em seu íntimo sôfrego. Não é mais o rosto que conhecia, e ainda pensava ter. É um estranho naquele corpo, um outro que lhe tomou o lugar. E ele o aceita, não luta para voltar a ser quem foi, a sombra o tomou, instalou-se. E ele pensou: tudo bem.

Havia graça na vida. Havia; hoje, não mais. As mãos lavam o rosto, mas não trazem quem se foi. A água passa pelas suas marcas, escorrem nas rugas e caem negras na pia, mas o rosto continua sujo, não por fora, mas internamente em sua consciência pesada. Por que se deixou morrer; pergunta-se indiferente. O espelho não responde.

O calor o enlouquece. A camisa manchada de suor lhe encharca o peito e as costas. Ouve, ao longe, o girar do velho ventilador ineficaz e enche as mãos de água; passa-as no pescoço, depois nos olhos marejados. O mormaço o deprime, força o pensamento para o passado, empurrando-o ao desespero do coração partido. Não há mais nada.



Alberto da Cruz

14 de setembro de 2012

Mais uma tentativa


Voltar a escrever depois de uma longa ausência não é algo fácil. O reencontro com as teclas é tortuoso nos toques decadentes da mão nervosa. Preocupo-me com superficialidades e me perco no compasso das horas em que permaneço sentado à máquina sem ter o que dizer, mas com uma imensa vontade de dizer. Devastar pensamentos, criar, atividades comuns, rotineiras de um cotidiano vazio são agora uma batalha terrível contra o vírus mortal da preguiça, ao mesmo tempo misturada com uma absurda vontade de fazer qualquer coisa para evitar o tempo entregue as artimanhas e teias frágeis da composição textual.
Disse faz algum tempo:
— O recesso acabou, é hora de voltar a trabalhar.
— Já era sem tempo — respondeu-me a confidente, e amante.
— Hoje começo — afirmei convicto.
E corri para o computador desesperado pela facilidade com que as ideias brotavam em minha cabeça. Pensei que escreveria tenazmente, atravessando a noite com os estalos do teclado, mas, contrariando as minhas expectativas, o cursor, na hora derradeira, piscava ininterruptamente sem que nenhuma linha fosse traçada. As frases se perdiam em algum ponto da tradução das ideias para o concreto.
Seria abstrato então. Nem mesmo assim fui longe. Uma sucessão de fragmentos e escritos ruins que eram apagados tão-logo foram escritos. Nada. Um mergulho na escuridão da alma incompetente.
No dia seguinte a pergunta voraz:
— Posso ler o que você escreveu ontem?
Eu sorrio aflito, enrubescendo a face e forçando um sorriso. Vou à impressora e pego uma folha em branco. Dou-lhe a folha. Digo:
— É isso, mais nada. Não consigo mais escrever. Acabou-se. O recesso virou aposentadoria por invalidez. Fim da história.
Palavras de incentivo são ditas. Lembranças do passado artístico. Tudo em vão. Não há mais em sombra do criador original ou plagiador.
Agora volto. E lá se vão os meses.
Recomeçar. Saber que preciso desenferrujar as engrenagens, exercitar em textos ruins como este para poder desinibir as palavras envergonhadas. Vamos lá.


Alberto da Cruz

8 de setembro de 2012

Deixe eu segurar a sua mão

Tenho necessidade de ir além dos meus limites, transpor as minhas barreiras e chegar ao fim da meta. Não consigo mais ficar estático, à espera de uma guinada para lugar nenhum. O desafio é constante, instigante luta pela conquista pessoal. Não posso aceitar a derrota antes de começar a batalha. Não me acostumei a cair e permanecer estirado no chão; não me acostumei a encarar a montanha e voltar os passos, de cabeça baixa; não me acostumei a desistir dos objetivos e recostar a cabeça no travesseiro, como se fosse normal. Prefiro levantar-me do chão, sacudir a poeira e continuar.
Frequentemente me perguntam o porquê dos meus atos; o motivo da minha luta. A resposta aparece todas as manhãs, quando o dia surge, levando a escuridão; a vida não para. Uma conquista pessoal tem mais valor do que a medalha, do que o pódio. A minha vitória é minha, de mais ninguém. Isso me faz feliz. Saber que superei o meu limite, esforcei-me para ir adiante mesmo quando todos os caminhos estavam obstruídos é a recompensa que espero ter. Encarar meu rosto no espelho e ver o brilho dos meus olhos, tendo a certeza de que não refuguei, como o cavalo que teme o obstáculo.
O apoio do próximo é crucial, mas não determinante. Às vezes o companheiro de jornada nos deixa em apuros e cabe a nós buscarmos a solução. Infelizmente estamos sozinhos, e continuar é de nossa inteira responsabilidade. Não é que as mãos não sejam estendidas, mas chega uma hora em que temos de estender a nossa e puxar aquele que fraqueja. Não podemos, entretanto, deixar que o desânimo do outro mine nossas conquistas. Haverá uma hora em que os nossos passos ficarão mais fortes e por muito tempo ficaremos sozinhos.
O que fazer? Virar os passos e fazer o caminho de volta para casa? Arrepender-se, sentir-se vazio? Até mesmo a desistência é difícil, pois envolve os laços afrouxados. Quem irá ceder no fim? Quem irá fugir de si mesmo diante do reflexo envergonhado? Quero seguir até as pernas doerem, bambearem; a vista ficar turva e os músculos fraquejarem. Quero ultrapassar os limites e ser recompensado pela minha satisfação.

Venha comigo! Vamos fazer de nossas vidas algo diferente. Vamos seguir adiante, eu lhe estendo a minha mão. Não quero lhe deixar para trás. Quero vencer, mas quero dividir a vitória com você.


Alberto da Cruz