25 de janeiro de 2015

Romaria Ciclística - Primeira Noite

Encontrando as meninas

                Como havíamos combinado ainda em Angra dos Reis, Carol, Denise e Eliete nos encontrariam em Silveiras, pois iriam pedalar somente no percurso do segundo dia de romaria. Antes de sairmos de Angra, deixamos uma série de recomendações para que a viagem delas transcorresse bem; principalmente o transporte das bicicletas... mas é claro que isso não aconteceu.
Carol, Denise e Eliete
                Esperávamos encontrá-las já em Silveiras, com os quartos da pousada alugados e prontos para nos receber cansados, exaustos e sujos; mas elas ainda não tinham chegado. Pedalamos o dia inteiro e chegamos antes delas! Como? Um pouco de estresse, mas Vinny e eu alugamos os quartos e esperamos por elas, que demoraram mais duas horas para chegar. Quando saíamos para o jantar com o grupo, encontramos com elas na entrada da Pousada dos Tropeiros.
                Ficamos parados por um instante. O cansaço, havia acabado de acordar, estava me pregando uma peça... O carro da Denise estava lá, elas estavam lá; mas onde estavam as bicicletas que deveriam estar presas no teto?! Vinny parecia ter os mesmos pensamentos confusos que eu. Onde estavam as bicicletas que elas trariam?! Mais alguns segundos aéreos, até que Carol deu aquele sorriso meio de lado, sem graça, típico de quem fez alguma besteira... Antes que ela dissesse mais alguma coisa, vi as rodas atrás do carro. Por quê?! O rack era de teto, pedi para o Paulinho, que não pode ir, colocar as três bicicletas no rack porque sabia que elas não conseguiriam e... Sim, meus amigos, elas tentaram passar pelo túnel da Japuíba com as bicicletas no teto... Por sorte o prejuízo não foi tão grande: guidão de carbono quebrado e uma roda transformada em 8, na Dabomb da Denise; Eliete teve o selim arranhado na Caloi Elite; o quadro arranhado na Soul da Carol; o Fit teve o teto amassado. Por sorte o “acidente” foi perto da bicicletaria de um amigo que as ajudou a ajeitar tudo para iniciarem a viagem.
Restaurante em Silveiras
          Choque passado, enquanto íamos ao restaurante, um temporal desabou, deixando-nos um tanto preocupados como a etapa do dia seguinte. Comemos e relaxamos. Logo depois, Ricardo, o organizador da romaria, deu algumas palavras sobre o sentido de estarmos ali.

                De volta à pousada, já refeitos do susto, só nos coube rir da desatenção das meninas e agradecer por não ter sido pior. Era já hora de dormir, pois acordaríamos cinco da manhã para mais um dia sobre o selim.

14 de janeiro de 2015

Romaria Ciclística - Passa Três X Silveiras

Dia dezenove de dezembro, às quatro da manhã, Vinny e eu saímos de Angra dos Reis para nos encontrarmos com os demais ciclistas romeiros que fariam a cicloviagem. Chegamos ao nosso primeiro destino um pouco antes das seis da manhã.
Estava ansioso e um tanto preocupado, afinal seria a minha primeira Romaria, minha primeira vez num percurso longo como aquele, minha primeira cicloviagem e o primeiro pedal para valer com a bicicleta nova. Era o meu debut, portanto nem consegui dormir direito, esperando o momento de pedalar com o grupo.
Já vestido com a camisa azul e branca do Grupo do Pedal de Passa Três, que me acompanharia por três longos dias, e o Garmin ligado, iniciamos o pedal até a saída da pequena cidade para uma oração de agradecimento e proteção antes de começarmos a percorrer o caminho. Dez para às seis da manhã, cinquenta minutos atrasados, os pneus rolaram no asfalto.
A primeira parte da cicloviagem seguiu cerca de quarenta quilômetros até Bananal, já no estado de São Paulo, onde fizemos uma parada para tomarmos café da manhã. O sol começava a surgir, mas ainda tínhamos o clima agradável ao nosso lado. Eu ainda me adaptava à nova bicicleta aro 29, que havia recebido no dia dezessete de dezembro e eu mal tivera tempo de experimentá-la. Cheguei mesmo a cogitar ir à Romaria com a antiga aro 26, mas Carolina já a estava preparando ao seu gosto, uma vez que ao comprar a Scott Scale, dei a ela a Soul SL.
Café tomado, continuamos pela Estrada dos Tropeiros em direção a São José do Barreiro, onde almoçaríamos e poderíamos descansar. Mas antes, havia muito chão para percorrer, e o sol, que parecia estar ao nosso lado, mostrou que não seria assim tão amigo. O calor ia aumentando a cada quilômetro, dificultando um pouco as coisas; como se não bastasse a quantidade de subidas e os quilômetros e mais quilômetros a percorrer.
Apesar dos conselhos para deixar minha mochila de hidratação no carro de apoio, pequei em insistir em levá-la comigo, pois não queria correr o risco de ficar sem água ou suprimentos. Quarenta quilômetros rodados, os três litros de água diminuíram no reservatório, mas pareciam pesar cinco quilos; as demais bugigangas guardadas na mochila pareciam somar mais outros cinco quilos. Eu já começava a ficar para trás, andar mais devagar, perdendo contato com o Vinny e outros conhecidos. O calor estava aumentando, sentia o suor escorrer pelo rosto, a luva pingava suor e o cansaço aumentava. Era uma alegria encontrar a Kombi do apoio, cheia de água gelada, bananas e muitas mochilas. Voltei atrás e também deixei a minha mochila de hidratação no carro, enchi a Polar e continuei, muito mais leve sem o peso inútil e sem o calor nas costas me incomodando. Era o alívio que precisava. Só tinha que tomar o cuidado para não tomar toda a água da garrafinha, pois só iria encontrar a Kombi, vinte quilômetros à frente.

Passamos por Arapeí com o sol nos castigando. Mas o clima entre nós era tão bom que nos mantínhamos bem, apesar das ondulações vistas no asfalto quente. Frequentemente me perguntavam como eu estava e sempre, sempre falavam que o depois do almoço iria encarar o Morro Frio. Claro que pensei que era uma espécie de trote, batismo, brincadeira por ser o calouro do ano. Não podia ser assim tão ruim; ruim é a subida do Pontal na volta de Mambucaba, pensava.
Antes das treze horas, chegamos a São José do Barreiro. Já não aguentava mais comer barrinhas de cereal e barrinhas de proteína. Finalmente iria comer de verdade! Ducha tomada, subimos ao restaurante para uma leve refeição; bacalhoada, salada fria e macarrão. Como havíamos nos atrasado na saída de Passa Três, reduzimos o tempo de descanso pós-almoço; o que não me fez bem. O sol, o calor, o asfalto quente e a noite muito mal dormida me deixaram fraco, e a glicose também não ficou muito bem depois do almoço. Tomei minha dose de insulina e deixamos São José do Barreiro.

Morro Frio

Um pouco revigorado pela ótima refeição, seguimos o caminho em direção a Areias. O sol à tarde era ainda mais forte, sem descanso e nada de sombra pela estrada. Nosso pelotão seguia junto, mas, à medida que os quilômetros iam passando, foi se separando, quebrando em pequenos grupetos. Fiquei para trás, pois já não rendia com noventa quilômetros rodados o mesmo do que com vinte quilômetros. Novamente me lembraram de que o Morro Frio estava próximo. E, cansado, não levei mais na brincadeira.
Carros de apoio no Morro Frio
Começamos a subida. Cerca de três quilômetros com sol na cabeça, sem nenhuma sombra e uma média de inclinação de sete por cento, categoria 3. Estava bem no começo, pensando que conseguiria chegar ao fim inteiro, apesar do esforço contínuo. Aos poucos, os companheiros de viagem passavam por mim. Aumentei um pouco o giro; mas girar nunca foi meu forte. Sempre fui um ciclista de força no pedal, preferia girar menos o pedivela, mas impor mais força, o que na Soul, aro 26, dava certo, mas na Scott, 29, impossível aguentar por muito tempo. Usar a coroa menor, 22 dentes, era vergonhoso até então, vá lá, no máximo a do meio, 32 dentes e subindo o número do cassete. Tive que aprender a girar na marra. Coroa de 20 dentes e cassete subindo marcha. Girava, girava, e quase não saía do lugar. Subia a coroa e as cãibras ameaçavam a chegar. Comecei a duvidar de que alcançaria o final da subida, quiçá chegar a Silveiras.
O suor escorria forte pelo rosto, pingava no quadro da bicicleta como uma torneira gotejando. O calor e o esforço me deixavam tonto, as forças iam sumindo cada vez mais rápido, as pernas falhavam, não giravam, só doíam. Mas não iria desistir ainda, abaixei a cabeça e continuei a escalada. Quando avistei a Kombi de apoio parada perto da placa de Areias, pensei que era uma miragem. Parei. Pálido, exausto, sem forças nem para falar, desabei num banco, mal conseguindo respirar. Ainda me recompunha quando me perguntaram se eu iria desistir. Dois dos nossos romeiros já tinham guardado suas bicicletas no rack e seguiam num dos carros de apoio. Eu não queria acompanhá-los. Levantei-me, montei na bicicleta e continuei a subida.
Fiquei para trás, era o último, estava sozinho. Sozinho contra o vento, contra o cansaço, contra o asfalto quente, contra um caminho desconhecido, mas continuava a pedalar com toda a minha determinação. Os carros de apoio me ultrapassaram e sumiram de vista, logo depois foi a vez da Kombi. O vento aumentou. A bicicleta ficou mais pesada, os pedais endureceram, minhas pernas travavam de dor e exaustão. Minha velocidade caiu de trinta quilômetros por hora para vinte, quinze por hora. Pensei em acenar para o apoio que sumia do meu campo de visão e pedir por um espaço para minha bicicleta e um banco para me levar. Ela subiu mais uma elevação e desapareceu.
Parada em Areias, depois de sofrer o Morro Frio
Pouco depois, para minha felicidade, encontrei-a no ponto de parada com os demais companheiros. Desabei, vitorioso. Havia vencido o Morro Frio, lutei contra o monstro colossal e sobrevivi. Mas depois de cento e dez quilômetros percorridos, e uma escalada horrível, estava ferido.
Recompostos, partimos para os últimos quilômetros. Nosso destino do primeiro dia estava a menos de trinta quilômetros e... muitos morros. O despreparo me pregou mais uma peça. Não havia só a escalada em Areias, o fim do percurso era feito de altos e baixos. Subidas que, naquela situação, eram intermináveis, minavam minhas forças. Alguns companheiros me acompanharam os pedais lentos, o giro sofrido das pernas como pistões prestes a estourar. Era sofrível para mim. Uma forte angústia me tomou e eu me questionava o que estava fazendo ali, sofrendo daquele jeito, sentindo as pernas arderem, o suor pingar no chão, a cabeça pesando toneladas. Simples, sofremos porque amamos pedalar.
Nos últimos quilômetros havia mais uma escalada. Vinny, Valdeí e Luciano revezavam-se para me ajudar, empurrando-me na subida e me acompanhando na descida. Minha respiração há muito deixara de ser ritmada e constante. O coração parecia que em poucos minutos explodiria. Não aguentava mais... era a hora de pendurar a toalha e aceitar que perdi a batalha. Não conseguia mais pedalar, estava tonto demais para me manter equilibrado. Antes que eu pudesse pensar, Vinny pegara a minha bicicleta e a empurrava morro acima. Eu entrei num dos carros de apoio e lamentei a derrota tão perto do fim...
Não. Eu não aceitaria fácil a derrota. Não pedalei cento e vinte cinco quilômetros para desistir daquela forma. Desci do carro alguns metros depois, montei na bicicleta novamente e continuei meu suplício até ver a cidade de Silveiras se aproximando.

Muitos pensam que o ciclismo é um esporte individual, mas não é. O coletivo é muito importante. Não fosse a grande ajuda dos companheiros de viagem, com palavras de incentivo, com auxílio necessário para me manter em movimento, não teria conseguido percorrer os cento e quarenta quilômetros que separam Passa Três de  Silveiras.