4 de setembro de 2011

Meu doce surrealismo

O que um morcego, uma pessoa inesperada, uma cerveja gelada roubada por um policial numa escola, um beijo apaixonado e imagens do passado tem em comum? Nada, mas em um sonho, tudo é possível!

Acordei num pulo, ainda com o gosto do beijo na boca — e que beijo. Uma cena comum, eu sei, mas o que importa no emaranhado de fios que formam o desejo onírico é a sensação que temos na hora intensa em que os limites do subconsciente nos abraçam na realidade. Ainda sentindo o gosto do beijo e calor do corpo beijado no meu, atrevo-me a registrar o que me fez despertar com esperanças de que minha vida não pode ser tão ruim como eu penso que é — ou faço ser.

Com os lábios próximos, ela me disse num tom apaixonado: Eu amo você. Uma frase tantas vezes ouvida ganha, a cada vez que é dita, uma magia ímpar, ainda mais na voz de quem jamais se espera ouvi-la. Ainda lembro de ser carregado por ela, que me rodopiava pelo salão — não, não era o contrário — cheio de rostos comuns, companheiros do cotidiano, que me olhavam sem nada entender, paravam para ver a cena mágica de uma explosão aflita de amor. A alegria, o ardor, a paixão consumindo o mundo num único instante. Meus dedos em seus cabelos, a maciez dos seus fios... o sonho.

Mas como entender o que não tem explicação? Por que o seio nu de uma pessoa que não se quer aparece e não brigamos? Por que não nos fartamos, apenas conversamos amigavelmente e, com o senso moral, ajeitamos a situação? Que homem nega belos alvos seios quando está só? Que homem nega uma mulher quando sente a libido o consumir, mas não nega a boca daquela que lhe rouba a paixão?

Eu perguntava em meu sonho tresloucado: Por que nunca antes te beijei, minha querida? E nunca encontrarei respostas, porque sonho é sonho, e vivemos atrelados, presos à realidade.

Pior de tudo... acordei. Mesmo impressionado, acordei. E não é possível retomar o que ficou no travesseiro. Não foi um filme interrompido por um irritante comercial. É engraçado como tentamos regressar às imagens da memória falsa, mas não conseguimos. Forçamos a mente, desejosos de estarmos no mesmo lugar, continuando o que nos foi maldosamente proibido pelo abrir dos olhos, mas nada mais acontece.

Eu agora queria voltar para aquela boca, queria estar no calor daquele abraço, queria conter o corpo daquela que buscava conforto em mim. Volta, querida, enxuga as suas lágrimas no meu ombro, entregue-se à paixão do meu desassossego!

E o morcego? Seria a minha consciência me atacando? Eu dormia, abri os olhos e o vi me espreitar, voar sobre minha cabeça num impulso ligeiro. Com as mãos eu o agarrei, segurei-o com firmeza entre os dedos, mas não o quis matar. Abri a janela e o soltei noite adentro, para que voasse em paz. Porém, por que a minha consciência, se for este o sentido do morcego, veio me visitar antes das loucuras que sucederam sua visita melancólica? Por que minutos antes do seio exposto, o policial me levou a garrafinha cheia de heineken, deixando-me o café fumegante? E as imagens do passado que me assombram? Será que era o meu momento de escolha?

Tantas perguntas me devastam, e eu só consigo pensar no gosto do beijo dado por uma pessoa inesperada...

Alberto da Cruz

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