Dia
dezenove de dezembro, às quatro da manhã, Vinny e eu saímos de Angra dos Reis
para nos encontrarmos com os demais ciclistas romeiros que fariam a
cicloviagem. Chegamos ao nosso primeiro destino um pouco antes das seis da
manhã.
Estava
ansioso e um tanto preocupado, afinal seria a minha primeira Romaria, minha
primeira vez num percurso longo como aquele, minha primeira cicloviagem e o
primeiro pedal para valer com a bicicleta nova. Era o meu debut, portanto nem consegui
dormir direito, esperando o momento de pedalar com o grupo.
Já
vestido com a camisa azul e branca do Grupo do Pedal de Passa Três, que me
acompanharia por três longos dias, e o Garmin ligado, iniciamos o pedal até a
saída da pequena cidade para uma oração de agradecimento e proteção antes de começarmos
a percorrer o caminho. Dez para às seis da manhã, cinquenta minutos atrasados,
os pneus rolaram no asfalto.
A
primeira parte da cicloviagem seguiu cerca de quarenta quilômetros até Bananal,
já no estado de São Paulo, onde fizemos uma parada para tomarmos café da manhã.
O sol começava a surgir, mas ainda tínhamos o clima agradável ao nosso lado. Eu
ainda me adaptava à nova bicicleta aro 29, que havia recebido no dia dezessete
de dezembro e eu mal tivera tempo de experimentá-la. Cheguei mesmo a cogitar ir à
Romaria com a antiga aro 26, mas Carolina já a estava preparando ao seu gosto,
uma vez que ao comprar a Scott Scale, dei a ela a Soul SL.
Café
tomado, continuamos pela Estrada dos Tropeiros em direção a São José do
Barreiro, onde almoçaríamos e poderíamos descansar. Mas antes, havia muito chão
para percorrer, e o sol, que parecia estar ao nosso lado, mostrou que não seria
assim tão amigo. O calor ia aumentando a cada quilômetro, dificultando um pouco
as coisas; como se não bastasse a quantidade de subidas e os quilômetros e mais
quilômetros a percorrer.
Apesar
dos conselhos para deixar minha mochila de hidratação no carro de apoio, pequei
em insistir em levá-la comigo, pois não queria correr o risco de ficar sem água ou
suprimentos. Quarenta quilômetros rodados, os três litros de água diminuíram no
reservatório, mas pareciam pesar cinco quilos; as demais bugigangas guardadas
na mochila pareciam somar mais outros cinco quilos. Eu já começava a ficar para trás,
andar mais devagar, perdendo contato com o Vinny e outros conhecidos. O calor
estava aumentando, sentia o suor escorrer pelo rosto, a luva pingava suor e o
cansaço aumentava. Era uma alegria encontrar a Kombi do apoio, cheia de água
gelada, bananas e muitas mochilas. Voltei atrás e também deixei a minha mochila
de hidratação no carro, enchi a Polar e continuei,
muito mais leve sem o peso inútil e sem o calor nas costas me incomodando. Era
o alívio que precisava. Só tinha que tomar o cuidado para não tomar toda a água
da garrafinha, pois só iria encontrar a Kombi, vinte quilômetros à frente.
Passamos
por Arapeí com o sol nos castigando. Mas o clima entre nós era tão bom que nos
mantínhamos bem, apesar das ondulações vistas no asfalto quente. Frequentemente
me perguntavam como eu estava e sempre, sempre falavam que o depois do almoço
iria encarar o Morro Frio. Claro que pensei que era uma espécie de trote,
batismo, brincadeira por ser o calouro do ano. Não podia ser assim tão ruim;
ruim é a subida do Pontal na volta de Mambucaba, pensava.
Antes
das treze horas, chegamos a São José do Barreiro. Já não aguentava mais comer
barrinhas de cereal e barrinhas de proteína. Finalmente iria comer de verdade!
Ducha tomada, subimos ao restaurante para uma leve refeição; bacalhoada, salada
fria e macarrão. Como havíamos nos atrasado na saída de Passa Três, reduzimos o
tempo de descanso pós-almoço; o que não me fez bem. O sol, o calor, o asfalto
quente e a noite muito mal dormida me deixaram fraco, e a glicose também não
ficou muito bem depois do almoço. Tomei minha dose de insulina e deixamos São
José do Barreiro.
Morro Frio
Um
pouco revigorado pela ótima refeição, seguimos o caminho em direção a Areias. O
sol à tarde era ainda mais forte, sem descanso e nada de sombra pela estrada.
Nosso pelotão seguia junto, mas, à medida que os quilômetros iam passando, foi
se separando, quebrando em pequenos grupetos. Fiquei para trás, pois já não
rendia com noventa quilômetros rodados o mesmo do que com vinte quilômetros.
Novamente me lembraram de que o Morro Frio estava próximo. E, cansado, não
levei mais na brincadeira.
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Carros de apoio no Morro Frio |
Começamos
a subida. Cerca de três quilômetros com sol na cabeça, sem nenhuma sombra e uma
média de inclinação de sete por cento, categoria 3. Estava bem no começo,
pensando que conseguiria chegar ao fim inteiro, apesar do esforço contínuo. Aos
poucos, os companheiros de viagem passavam por mim. Aumentei um pouco o giro;
mas girar nunca foi meu forte. Sempre fui um ciclista de força no pedal,
preferia girar menos o pedivela, mas impor mais força, o que na Soul, aro 26,
dava certo, mas na Scott, 29, impossível aguentar por muito tempo. Usar a coroa
menor, 22 dentes, era vergonhoso até então, vá lá, no máximo a do meio, 32
dentes e subindo o número do cassete. Tive que aprender a girar na marra. Coroa
de 20 dentes e cassete subindo marcha. Girava, girava, e quase não saía do
lugar. Subia a coroa e as cãibras ameaçavam a chegar. Comecei a duvidar de que alcançaria o final da subida, quiçá chegar a Silveiras.
O
suor escorria forte pelo rosto, pingava no quadro da bicicleta como uma
torneira gotejando. O calor e o esforço me deixavam tonto, as forças iam
sumindo cada vez mais rápido, as pernas falhavam, não giravam, só doíam. Mas
não iria desistir ainda, abaixei a cabeça e continuei a escalada. Quando
avistei a Kombi de apoio parada perto da placa de Areias, pensei que era uma
miragem. Parei. Pálido, exausto, sem forças nem para falar, desabei num banco,
mal conseguindo respirar. Ainda me recompunha quando me perguntaram se eu iria
desistir. Dois dos nossos romeiros já tinham guardado suas bicicletas no rack e seguiam num dos carros de apoio. Eu não queria acompanhá-los. Levantei-me, montei
na bicicleta e continuei a subida.
Fiquei
para trás, era o último, estava sozinho. Sozinho contra o vento, contra o
cansaço, contra o asfalto quente, contra um caminho desconhecido, mas
continuava a pedalar com toda a minha determinação. Os carros de apoio me
ultrapassaram e sumiram de vista, logo depois foi a vez da Kombi. O vento
aumentou. A bicicleta ficou mais pesada, os pedais endureceram, minhas pernas
travavam de dor e exaustão. Minha velocidade caiu de trinta quilômetros por
hora para vinte, quinze por hora. Pensei em acenar para o apoio que sumia do
meu campo de visão e pedir por um espaço para minha bicicleta e um banco para
me levar. Ela subiu mais uma elevação e desapareceu.
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Parada em Areias, depois de sofrer o Morro Frio |
Pouco
depois, para minha felicidade, encontrei-a no ponto de parada com os demais
companheiros. Desabei, vitorioso. Havia vencido o Morro Frio, lutei contra o
monstro colossal e sobrevivi. Mas depois de cento e dez quilômetros
percorridos, e uma escalada horrível, estava ferido.
Recompostos,
partimos para os últimos quilômetros. Nosso destino do primeiro dia estava a
menos de trinta quilômetros e... muitos morros. O despreparo me pregou mais uma
peça. Não havia só a escalada em Areias, o fim do percurso era feito de altos e
baixos. Subidas que, naquela situação, eram intermináveis, minavam minhas
forças. Alguns companheiros me acompanharam os pedais lentos, o giro sofrido
das pernas como pistões prestes a estourar. Era sofrível para mim. Uma forte angústia
me tomou e eu me questionava o que estava fazendo ali, sofrendo daquele jeito,
sentindo as pernas arderem, o suor pingar no chão, a cabeça pesando toneladas.
Simples, sofremos porque amamos pedalar.
Nos
últimos quilômetros havia mais uma escalada. Vinny, Valdeí e Luciano
revezavam-se para me ajudar, empurrando-me na subida e me acompanhando na
descida. Minha respiração há muito deixara de ser ritmada e constante. O
coração parecia que em poucos minutos explodiria. Não aguentava mais... era a
hora de pendurar a toalha e aceitar que perdi a batalha. Não conseguia mais
pedalar, estava tonto demais para me manter equilibrado. Antes que eu pudesse
pensar, Vinny pegara a minha bicicleta e a empurrava morro acima. Eu entrei num
dos carros de apoio e lamentei a derrota tão perto do fim...
Não.
Eu não aceitaria fácil a derrota. Não pedalei cento e vinte cinco quilômetros
para desistir daquela forma. Desci do carro alguns metros depois, montei na
bicicleta novamente e continuei meu suplício até ver a cidade de Silveiras se
aproximando.
Muitos
pensam que o ciclismo é um esporte individual, mas não é. O coletivo é muito
importante. Não fosse a grande ajuda dos companheiros de viagem, com palavras
de incentivo, com auxílio necessário para me manter em movimento, não teria
conseguido percorrer os cento e quarenta quilômetros que separam Passa Três de Silveiras.
Um comentário:
Alberto, muito legal esse seu relato. Esse ano você irá bem melhor e com méritos. Grande abraço!
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