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Saída de Silveiras, 21 de dezembro |
Domingo chegara. Dia de arrumar as coisas e voltar para casa. Mais 140 km e a Romaria chegaria
ao fim na mesma Passa Três que nos viu sair antes do sol nascer. Mais um dia de
pedaladas com os amigos e mais um capítulo em nossa história.
Neste último dia as meninas não iriam pedalar, mas nos seguiriam com os
demais carros de apoio; portanto, logo cedo, as deixamos dormindo na pousada. Marcão,
Vinny e eu fomos encontrar os outros romeiros na padaria do centro de
Silveiras. Desta vez sairíamos alimentados e, apesar do cansaço, dispostos para
mais um dia sobre o selim, girando os pedais para crescermos intimamente.
Desde que
começamos a volta, meu pensamento pairava no Morro Frio. Embora não fosse nele
que eu pensara em desistir no primeiro dia, foi a sua elevação somada ao forte
calor que me retirara todas as forças para os últimos quilômetros, portanto eu
o temia. Não por isso iria fraquejar quando chegasse a hora em que nos
encontraríamos de novo. Desta vez eu não estaria tão cansado a ponto de pensar
em jogar a toalha, ele estaria sob as rodas da minha bicicleta, não em 100km
rodados, mas em apenas 40km.
Tranquilos,
pedalamos sem pressa pela rodovia vazia naquele domingo de manhã. Conversávamos
sobre trivialidades, contávamos “causos”
de bicicleta e, com o giro constante da pedivela, subíamos e descíamos os
morros até a primeira parada.
Quando Denise
caiu sobre Vinny no dia anterior, voltando de Aparecida, empenou alguns raios e
desregulou o câmbio traseiro da Scale. Vinny reclamava da troca de marchas
sempre que precisava subi-las. Quando fizemos a parada, Vítor conseguiu
amenizar o problema. Com todas as marchas funcionando, o ritmo do Vinny
aumentou e o prazer sobre a bicicleta reapareceu. Voltamos para estrada. Areias
se aproximava.
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Morro Frio |
Começamos a
subida do Morro Frio. Já havíamos subido dois longos morros antes, mas o
impacto do vil inimigo era ainda forte. Iniciamos a subida com mais terror
psicológico do que realmente esforço. Num ritmo leve, de passeio, fomos
ganhando metros e mais metros, enquanto o suor escorria pelo rosto e as pernas
giravam numa cadência suportável. Na volta o Morro Frio não era assim tão
imponente. Um a um íamos vencendo-o. O algoz estava derrotado. Fizemos uma
pausa para reunir todos novamente e nos prepararmos para uma bela, e rápida,
descida pelos 3,5km que ainda me dão calafrios.
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Alberto e Luciano, no Morro Frio |
Prosseguimos o
pedal até a próxima parada. O clima perfeito nos ajudava. Temperatura
agradável, sem sol, sem chuva. Logo as meninas nos encontraram e se juntaram
aos demais carros de apoio. A próxima parada seria para o almoço.
Almoçamos num
pequeno restaurante, mas de comida farta e muito saborosa. Em seguida,
descansamos um pouco antes de retornar a estrada. Apesar do pouco tempo de
repouso, o corpo agradeceu. Diferente do primeiro dia, estávamos dentro do
horário e não precisávamos sair às pressas para manter o cronograma. Trinta
santos minutos que fizeram a energia retornar aos músculos em frangalhos.
Encaramos mais
subidas cansativas, descidas divertidas, planos monótonos, retas velozes,
grupos se formando, grupos se dissipando e criando novos grupos, seguimos assim
até chegarmos à última parada, já próximos de Passa Três. Faltava pouco para
terminar a romaria, pouco para completar mais um Gran Fondo, pouco para
comemorar a vitória sobre as diversidades do caminho e também da vida.
Os longos
quilômetros iam chegando ao fim. Sentia uma sensação de alívio, ao mesmo tempo
de vazio. Os três dias de convívio estavam chegando ao fim, na última parte da
estrada, no final de uma bela jornada. Seguíamos enfileirados, ninguém escapado
à frente, ninguém sobrado atrás; estávamos todos juntos, no mesmo ritmo, na
mesma cadência. E foi assim, juntos, que entramos na pequena cidade.
Ao ver as
primeiras casas, as primeiras pessoas a saírem para nos parabenizar com acenos
e palmas, meus olhos marejaram, como marejam agora. Um sentimento de conquista
me invadiu, a vitória sobre as dificuldades, os momentos difíceis em que pensei
em desistir, a alegria de completar cada etapa, a valorização das pequenas
coisas. Havíamos chegado. As pessoas acenavam nos felicitando. E eu, na minha
pequenez diante de um tão grande momento, agradecia por poder viver a emoção de
compartilhar com os amigos os mesmos sentimentos. Subimos o morro que marcava a
nossa chegada, parando na igreja.
Ao desmontar da
bicicleta depois daqueles quatrocentos quilômetros, tinha uma certeza: no
próximo ano, estaria com os amigos de novo. Todo o sofrimento, todo o esforço
foram recompensados pela emoção gratificante de vencer os próprios limites,
tanto do corpo, quanto da mente. A romaria teve um significado muito grande
para mim, um saber-se vivo e capaz.